Prezados amigos do blog "Transver o Mundo", ontem (15 de dezembro) fizemos 1 ano e 1 mês de existência. Aproveitando para celebrar também com o momento natalino e de fim de ano, presenteio a todos os internautas com uma bela sequência de poesias do grande Fernando Pessoa. Um abraço a todos e boas festas!
E viva Portugal!
Fernando Pessoa
I - Primeira Parte: Brasão
| 
               Bellum sine bello. 
          I. OS CAMPOS   
          PRIMEIRO / O DOS CASTELOS   
          A Europa jaz, posta nos cotovelos:  De Oriente a Ocidente jaz, fitando, E toldam-lhe românticos cabelos Olhos gregos, lembrando. 
          O cotovelo esquerdo é recuado;  O direito é em ângulo disposto. Aquele diz Itália onde é pousado; Este diz Inglaterra onde, afastado, 
          A mão sustenta, em que se apoia o rosto.  Fita, com olhar sphyngico e fatal, O Ocidente, futuro do passado. 
          O rosto com que fita é Portugal.  
          SEGUNDO / O DAS QUINAS  
          Os Deuses vendem quando dão.  Comprase a glória com desgraça. Ai dos felizes, porque são Só o que passa! 
          Baste a quem baste o que Ihe basta  O bastante de Ihe bastar! A vida é breve, a alma é vasta: Ter é tardar. 
          Foi com desgraça e com vileza  Que Deus ao Cristo definiu: Assim o opôs à Natureza E Filho o ungiu. 
          II. OS CASTELOS   
          PRIMEIRO / ULISSES   
          O mytho é o nada que é tudo.  O mesmo sol que abre os céus É um mytho brilhante e mudo —- O corpo morto de Deus, Vivo e desnudo. 
          Este, que aqui aportou,  Foi por não ser existindo. Sem existir nos bastou. Por não ter vindo foi vindo E nos criou. 
          Assim a lenda se escorre  A entrar na realidade, E a fecundá-la decorre. Em baixo, a vida, metade De nada, morre. 
          SEGUNDO / VIRIATO   
          Se a alma que sente e faz conhece  Só porque lembra o que esqueceu, Vivemos, raça, porque houvesse Memória em nós do instinto teu. 
          Nação porque reencarnaste,  Povo porque ressuscitou Ou tu, ou o de que eras a haste — Assim se Portugal formou. 
          Teu ser é como aquela fria  Luz que precede a madrugada, E é ja o ir a haver o dia Na antemanhã, confuso nada. 
          TERCEIRO / O CONDE D. HENRIOUE  
          Todo começo é involuntáario.  Deus é o agente. O herói a si assiste, vário E inconsciente. 
          À espada em tuas mãos achada  Teu olhar desce. «Que farei eu com esta espada?» Ergueste-a, e fez-se. 
          QUARTO / D. TAREJA  
          As naçôes todas são mystérios.  Cada uma é todo o mundo a sós. Ó mãe de reis e avó de impérios, Vela por nós! 
          Teu seio augusto amamentou  Com bruta e natural certeza O que, imprevisto, Deus fadou. Por ele reza! 
          Dê tua prece outro destino  A quem fadou o instinto teu! O homem que foi o teu menino Envelheceu. 
          Mas todo vivo é eterno infante  Onde estás e não há o dia. No antigo seio, vigilante, De novo o cria! 
          QUINTO / D. AFONSO HENRIQUES  
          Pai, foste cavaleiro.  Hoje a vigília é nossa. Dá-nos o exemplo inteiro E a tua inteira força! 
          Dá, contra a hora em que, errada,  Novos infiéis vençam, A bênção como espada, A espada como benção! 
          SEXTO / D. DINIS  
          Na noite escreve um seu Cantar de Amigo  O plantador de naus a haver, E ouve um silêncio múrmuro consigo: É o rumor dos pinhais que, como um trigo De Império, ondulam sem se poder ver. 
          Arroio, esse cantar, jovem e puro,  Busca o oceano por achar; E a fala dos pinhais, marulho obscuro, É o som presente desse mar futuro, É a voz da terra ansiando pelo mar. 
          SÉTIMO (I) / D. JOÃO O PRIMEIRO  
          O homem e a hora são um só  Quando Deus faz e a história é feita. O mais é carne, cujo pó A terra espreita. 
          Mestre, sem o saber, do Templo  Que Portugal foi feito ser, Que houveste a glória e deste o exemplo De o defender. 
          Teu nome, eleito em sua fama,  É, na ara da nossa alma interna, A que repele, eterna chama, A sombra eterna. 
          SÉTIMO (II) / D. FILIPA DE LENCASTRE  
          Que enigma havia em teu seio  Que só gênios concebia? Que arcanjo teus sonhos veio Velar, maternos, um dia? 
          Volve a nós teu rosto sério,  Princesa do Santo Graal, Humano ventre do Império, Madrinha de Portugal! 
          III. AS QUINAS   
          PRIMEIRA / D. DUARTE, REI DE PORTUGAL  
          Meu dever fez-me, como Deus ao mundo.  A regra de ser Rei almou meu ser, Em dia e letra escrupuloso e fundo. 
          Firme em minha tristeza, tal vivi.  Cumpri contra o Destino o meu dever. Inutilmente? Não, porque o cumpri. 
SEGUNDA / D. FERNANDO, INFANTE DE PORTUGAL 
          Deu-me Deus o seu gládio, porque eu faça  A sua santa guerra. Sagrou-me seu em honra e em desgraça, Às horas em que um frio vento passa Por sobre a fria terra. 
          Pôs-me as mãos sobre os ombros e doirou-me  A fronte com o olhar; E esta febre de Além, que me consome, E este querer grandeza são seu nome Dentro em mim a vibrar. 
          E eu vou, e a luz do gládio erguido dá  Em minha face calma. Cheio de Deus, não temo o que virá, Pois venha o que vier, nunca será Maior do que a minha alma. 
          TERCEIRA / D. PEDRO, REGENTE DE PORTUGAL  
          Claro em pensar, e claro no sentir,  É claro no querer; Indiferente ao que há em conseguir Que seja só obter; Dúplice dono, sem me dividir, De dever e de ser — 
          Não me podia a Sorte dar guarida  Por não ser eu dos seus. Assim vivi, assim morri, a vida, Calmo sob mudos céus, Fiel à palavra dada e à idéia tida. Tudo o mais é com Deus! 
          QUARTA / D. JOÃO, INFANTE DE PORTUGAL  
          Não fui alguém. Minha alma estava estreita  Entre tão grandes almas minhas pares, Inutilmente eleita, Virgemmente parada; 
          Porque é do português, pai de amplos mares,  Querer, poder só isto: O inteiro mar, ou a orla vã desfeita — O todo, ou o seu nada. 
          QUINTA / D. SEBASTIÃO, REI DE PORTUGAL  
          Louco, sim, louco, porque quis grandeza  Qual a Sorte a não dá. Não coube em mim minha certeza; Por isso onde o areal está Ficou meu ser que houve, não o que há. 
          Minha loucura, outros que me a tomem  Com o que nela ia. Sem a loucura que é o homem Mais que a besta sadia, Cadáver adiado que procria? | 

 






 
 
 
 
 
 
 
 
 

 
 Postagens
Postagens
 
 
0 comentários:
Postar um comentário