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sábado, 1 de junho de 2013

O ABC DA SECA DO POETA JAGUARIBANO

Comum em várias regiões do Brasil, o fenômeno climático das secas, tal como a neve nos pólos, as geadas nas regiões temperadas e as chuvas na região amazônica, não é algo a ser controlado, extirpado ou extinto. É algo que precisa ser entendido na sua desgraça e na sua graça. No seu movimento cíclico e periódico quase dialético em sua afirmação, negação e síntese.

Se faz necessário compreender essa realidade que nos visita a cada ano que não chove no sertão. Os governos, com destaque para o trabalho pioneiro e grandioso do DNOCS, dentre outras instituições públicas, mas, também aqueles que nela habitam teem a responsabilidade de conhecer técnicas de manejo, soluções, meios respeitosos de convivência com a terra, a água e o ar do semi-árido.

E ninguém melhor para entender a seca do que a junção do ibérico e bávaro com o aborígene da terra: o mestiço, o caboclo que já ocupa essa área pelo menos nos últimos 400 anos (que é o tempo que a miscigenação começou a reverberar pelos sertões nordestinos).

A obra o “ABC da Seca” integra e intitula a coletânia do poeta Henrique José da Silva (1913-2008). O mestiço que decidiu em meados do século XX (entre o final dos anos 1950 e década 1970) fazer um registro singular e enigmático desse fenômeno climático também singular e enigmático.

O “ABC da Seca do Poeta Jaguaribano” é o título da coletânea que reúne as obras completas do autor que foi premiado entre os melhores cordelistas cearenses com o I Prêmio Autores Cearenses Alberto Porfírio de Cordelismo concedido pelo Governo do Estado do Ceará através da sua Secretaria de Cultura.



Capa da coletânea "ABC da Seca do Poeta Jaguaribano" (Secult, 2011) e um dos últimos registros fotográficos do poeta russano Henrique José da Silva.


O “ABC da Seca” se enquadra na definição popular dos folhetos do gênero “ABC” que abordam temas a fim de exauri-los ou de trabalhar um mesmo assunto sobre vários aspectos. É uma forma  de aprofundar um conteúdo, porém, sem perder sua generalidade e alimentando a curiosidade do leitor.

Essa é uma obra que toma principalmente a atenção das pessoas que conhecem o “polígono das secas” e vivem suas belezas e agruras. A identificação com a percepção dos acontecimentos naturais, sua imprevisibilidade, a necessidade de coesão comunitária para atravessá-la, a necessidade de fé que, na ocasião, começou concorrer com as novelas televisivas e outras novidades do mundo moderno.

Seu Henrique marca o tempo, por exemplo, em que parte do lazer era se reunir para rezar, pedir por  dias melhores, e vê essa dinâmica modificada pela chegada da televisão. Também impressiona o leitor, em especial, pelos princípios que revela no decorrer de sua obra: “devemos amar a verdade.”

Em meio a umas das mais terríveis secas dos últimos 50 anos e em homenagem ao centenário desse grande homem, cristão e negro que povoou o sertão jaguaribano durante nove décadas, colocamos na web sua obra mais apreciada, mais emblemática, mais querida do povo do sertão: O ABC DO POETA JAGUARIBANO.


ABC DA SECA DO POETA

A santa musa divina
Inspirai-me em um segundo
Para escrever estes versos
Num pensamento fecundo
O ABC sobre a seca
Que traz tristeza para o mundo.

Bom tempo se acabou
Não sei quando volta mais
Trazendo medonha fome
Para a gente e animais
Entristecendo a campina
Desfolhando os matagais.

Carregando a alegria
Deixando só a tristeza
Perturbando o fazendeiro
Trazendo a fome, a pobreza
Tudo isto são castigos
Do poder da natureza.

Devemos pedir a Deus
Bom tempo, felicidade
Além da guerra, uma seca
Que não traz prosperidade
Já sei que vai sofrer muito
Quase toda a humanidade.

É rezando que o povo
À Graça de Deus apela
Mas muitas mães de famílias
Com suas filhas donzelas
Em vez de rezarem o terço
Só querem ouvir novelas.

Faz pena ver-se sofrer
Pois é grande o sofrimento
Os bichos passando fome
O pobre sem alimento
Bate a tristeza na porta
De quase todo aposento.

Grande é o poder de Deus
Pode nos favorecer
E mandar que as nuvens se abram
Para a terra umedecer
E fazer pastagem e água
Para o gado não morrer.

Houve em cinqüenta e oito
Uma seca parcial
Isto porque o governo
Para o povo foi legal
Seca que a muitos fez bem
Em vez de fazer o mal.

Inspirado, eu me acho
Para na seca falar
Assim é que dou a prova
Que gosto de improvisar
É sempre vítima de secas
As terras do Ceará.

Já que é chegado o tempo
Vamos, meus versos genuínos
Levar mensagem ao espaço
Para o povo nordestino
Dizer que a seca maltrata
Desde o grande ao pequenino.

Lembro-me que há tantos dias
Levantou um fumaceiro
Uma espécie de neblina
Que formava um nevoeiro
Era os sinais desta seca
Que chegou em fevereiro.

Muita gente perguntava
O que poderia ser
Porém, ninguém conhecia
Não podia responder
Pois os segredos de Deus
Não há quem possa saber.

Não chovendo a planta morre
Entristece o agricultor
Adoece e morre o gado
Fome é um mal matador
O fazendeiro, coitado
Sofre o maior dissabor.

Outras coisas traz a seca
Desastre, doença e peste
Dissentimento e de dor
A massa humana se veste
Principalmente, o setor
Que pertence ao meu Nordeste.

Pobre com necessidade
Falta de água e de pão
Oprimido pela fome
É triste a situação
Voltam suas esperanças
Ao Governo da Nação.

Quando chega o tempo ruim
O pobre se aperreia
Só ouve falar em fome
Me foge o sangue da veia
Que essa tal cintura fina
É cabra da cara feia.

Rezemos para que Deus
Amenize a nossa dor
Mande um inverno abundante
Paz, alegria e amor
Principalmente, ao Ceará
Que é um dos mais sofredor.

Segundo alguns prognósticos
Que o povo lê e comenta
Quem for fraco não resiste
Sendo duro, se arrebenta
Bom tempo, pouco tempo
Só depois de setenta.

Tanto o pobre como o rico
Uma seca faz sofrer
O pobre porque não tem
O rico por ver perder
Porém, devemos lutar
Ninguém deve esmorecer.

Um conselho que eu quero dar
Devemos amar a verdade
Pedimos as bençãos de Deus
Da mais alta imensidade
Pobre fazer penitência
Rico fazer caridade.

“Venha nós o vosso reino”
Assim ensina a Doutrina
“Seja feita a vossa vontade”
A Lei de Deus determina
Livrai da seca e da guerra
A nossa terra nordestina.

Xaxado, xote e baião,
Tango, valsa, marcha e choro
Cabeludo e mini-saia
Ei-iê-iê e feio namoro
A seca que veio aí
Pega tudo e mete o couro.

Zombar de mim ninguém zomba
Estou velho, mas já fui moço
A seca emagrece tudo
Só deixa o couro e o osso
Afirma o Henrique Silva
Poeta do Capim Grosso.


FIM

1 comentários:

  1. E para quem quiser ler mais sobre seca indico o artigo Sergiano Araújo, professor da UECE que saiu no O POVO:

    http://www.opovo.com.br/app/opovo/opiniao/2013/04/02/noticiasjornalopiniao,3032061/seca-tragedia-reprisada.shtml

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