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domingo, 9 de dezembro de 2012

Definições de Gregório de Matos: boca do sagrado, da verdade

Como a terra brasileira foi agraciada com o talento de grandes poetas!

Nesse campo literário podemos destacar a vida e a obra de dezenas, quem sabe centenas, de baluartes que legaram sua genialidade para a cultura nacional e inspiração para as almas sedentas de brilho estético, ético e verdadeiro.

Ao primeiro grande poeta brasileiro que se tem notícia, Gregório de Matos e Guerra,  admiração e reconhecimento pela coragem de ter denunciado os malfeitos dos homens do seu tempo. Assim nos legou um quadro socio histórico único e lúcido.

Esse baiano é autor de um dos versos mais conhecidos de nossa cultura:

"Que falta nesta cidade?................Verdade

Que mais por sua desonra?...........Honra

Falta mais que se lhe ponha..........Vergonha."



"O demo a viver se exponha,

Por mais que a fama a exalta,

numa cidade, onde falta

Verdade, Honra, Vergonha."



"Quem a pôs neste socrócio?..........Negócio

Quem causa tal perdição?.............Ambição

E o maior desta loucura?...............Usura.
(...)"


 
Considera-se do referido poeta, pelo menos, uma obra mais ou menos coesa, encerrada no estilo dualista barroco, que foi compilada sob o nome do referido senhor de engenho e doutor formado em Coimbra (esses dois elementos da vida de Gregório em si já denunciam uma dualidade contrastante).
                                                                            Gregório em foto montagem 'observa' o movimento dos populares na Igreja Hospício de N.S. da Piedade,  Bahia Colonial.



Era a expressão também de uma alma devota, envolvida numa fé dedicada ao Salvador com quem dialogava em versos quase salmíficos. Aliás, estilo característico do barroco que animava os artistas, escultores e escritores de "seiscentos".


Naturalmente que a obra completa de Gregório de Matos deve ser considerada em se acrescentando toda a influência que o contexto social, histórico e cultural lhe confere. Inclusive pesando todas as possíveis influências coletivas, digamos assim, que a obra possa ter sofrido. Essas questões são de interesse de especialistas literatos e historiadores. Inclusive em nada diminuem os créditos do satírico trovador baiano.

Postamos essa pequena coletânea de poesias nas vésperas de 2013, ano em que o poeta baiano completa 390 anos de nascimento na terra de todos os santos.

A Gregório de Matos essa singela homenagem.


Buscando a Cristo

A vós correndo vou, braços sagrados, Nessa cruz sacrossanta descobertos Que, para receber-me, estais abertos, E, por não castigar-me, estais cravados. A vós, divinos olhos, eclipsados De tanto sangue e lágrimas abertos, Pois, para perdoar-me, estais despertos, E, por não condenar-me, estais fechados. A vós, pregados pés, por não deixar-me, A vós, sangue vertido, para ungir-me, A vós, cabeça baixa, p'ra chamar-me A vós, lado patente, quero unir-me, A vós, cravos preciosos, quero atar-me, Para ficar unido, atado e firme.´

 

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Soneto

Carregado de mim ando no mundo, E o grande peso embarga-me as passadas, Que como ando por vias desusadas, Faço o peso crescer, e vou-me ao fundo. O remédio será seguir o imundo Caminho, onde dos mais vejo as pisadas, Que as bestas andam juntas mais ousadas, Do que anda só o engenho mais profundo. Não é fácil viver entre os insanos, Erra, quem presumir que sabe tudo, Se o atalho não soube dos seus danos. O prudente varão há de ser mudo, Que é melhor neste mundo, mar de enganos, Ser louco c'os demais, que só, sisudo.

 

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Soneto

Neste mundo é mais rico, o que mais rapa: Quem mais limpo se faz, tem mais carepa: Com sua língua ao nobre o vil decepa: O Velhaco maior sempre tem capa. Mostra o patife da nobreza o mapa: Quem tem mão de agarrar, ligeiro trepa; Quem menos falar pode, mais increpa: Quem dinheiro tiver, pode ser Papa. A flor baixa se inculca por Tulipa; Bengala hoje na mão, ontem garlopa: Mais isento se mostra, o que mais chupa. Para a tropa do trapo vazio a tripa, E mais não digo, porque a Musa topa Em apa, epa, ipa, opa, upa.

 

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Soneto

Continua o poeta em louvor a soledade vituperando a corte
Ditoso aquele, e bem-aventurado, Que longe, e apartado das demandas, Não vê nos tribunais as apelandas Que à vida dão fastio, e dão enfado. Ditoso, quem povoa o despovoado, E dormindo o seu sono entre as holandas Acorda ao doce som, e às vozes brandas Do tenro passarinho enamorado. Se estando eu lá na Corte tão seguro Do néscio impertinente, que porfia, A deixei por um mal, que era futuro; Como estaria vendo na Bahia, Que das Cortes do mundo é vil monturo, O roubo, a injustiça, a tirania?
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Soneto

A uma dama dormindo junto a uma fonte.
À margem de uma fonte, que corria, Lira doce dos pássaros cantores A bela ocasião das minhas dores Dormindo estava ao despertar do dia. Mas como dorme Sílvia, não vestia O céu seus horizontes de mil cores; Dominava o silêncio entre as flores, Calava o mar, e rio não se ouvia, Não dão o parabém à nova Aurora Flores canoras, pássaros fragrantes, Nem seu âmbar respira a rica Flora. Porém abrindo Sílvia os dois diamantes, Tudo a Sílvia festeja, tudo adora Aves cheirosas, flores ressonantes.
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Ao Braço do Mesmo Menino Jesus Quando Appareceo

O todo sem a parte não é todo, A parte sem o todo não é parte, Mas se a parte o faz todo, sendo parte, Não se diga, que é parte, sendo todo. Em todo o Sacramento está Deus todo, E todo assiste inteiro em qualquer parte, E feito em partes todo em toda a parte, Em qualquer parte sempre fica o todo. O braço de Jesus não seja parte, Pois que feito Jesus em partes todo, Assiste cada parte em sua parte. Não se sabendo parte deste todo, Um braço, que lhe acharam, sendo parte, Nos disse as partes todas deste todo.

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